Postado em Mythos Editora
A cultura celta se difundiu pela Europa e, na atualidade,
é tida como referência no mundo mágico e espiritual. Em entrevista exclusiva,
Ana Elizabeth Cavalcanti da Costa fala sobre a magia e a sabedoria do povo
celta.
Os povos celtas estiveram espalhados por quase todo o
continente europeu. Não formaram um império, nem possuíam um governo
centralizado. Não tinham um sistema de escrita e, portanto, a precisão
cronológica sobre seu surgimento se baseia em escavações e em muitas pesquisas,
datando de 1800 a 1500 a.C., na Europa Central e Ocidental.
Viviam em tribos e, apesar de não possuírem uma etnia
homogênea, a língua e a religião representavam o elo entre eles. Sua cultura é
repleta de magia, espiritualidade e culto à natureza. Acreditavam que as
palavras registradas graficamente comprometiam a realidade e a energia dos
fatos, podendo criar interpretações incorretas da verdade.
Para os celtas, o mundo estava em constante
transformação, noção baseada na experiência de observação e de adoração da
natureza; o importante é o presente, o momento, a harmonia e a saúde do corpo e
do espírito.
Para falar sobre druidismo, a magia e a espiritualidade
dos povos celtas, entrevistamos Ana Elisabeth Cavalcanti da Costa, autora de
Sabedoria e Magia dos Celtas – Princípios do Druidismo, seu sétimo livro
publicado pela Berkana Editora (dos demais: Runas, O Caminho da Vida; Bruxas de
Verdade; Bruxas, Amor e Magia; Conselhos das Bruxas; Oráculo das Bruxas; Tarot
Sem Mistério),
Ana Elizabeth se formou em História e Estudos Sociais e
há anos vem pesquisando as religiões e a magia dentro dos ciclos da humanidade.
Diz que foi atraída para a cultura celta pelo fato de que quando se fala em
magia, principalmente no mundo ocidental, sempre existem referências a esses
povos. Então, teve a idéia de escrever um livro com embasamento histórico e que
contivesse as práticas e rituais de magia desse povo.
Fala-se muito a respeito da origem dos celtas, mas quase
sempre com algumas contradições. Qual é, na verdade, a origem do povo celta! De
onde eles vieram e onde se estabeleceram!.
Os celtas estiveram presentes em praticamente todo o
continente europeu, que possui fragmentos de sua cultura. O seu habitat inicial
era o sudoeste da Alemanha, Europa ocidental e central. Com o domínio da
agricultura, tecnologia na cerâmica e no bronze, ao longo de séculos, eles
invadiram França, Espanha, Tchecoslováquia, sula da Alemanha, Áustria e
Grã-Bretanha. A sua história se estendeu por cerca de dois mil anos (de 1800 aC
até o final do século 1 dC). A partir de 660 aC, invadiram a Península Ibérica
e, até metade do século 2 aC, expandiram para Ucrânia, Grécia, Ásia Menor,
Gália e grande parte da Itália. Quando se fala dos povos celtas, não se fala de
um império celta, porque eles viviam em tribos independentes; o poder era dado
ao rei, escolhido pelo grupo, e que cuidava do bem-estar da sua comunidade.
Quando uma tribo atingia um número determinado de habitantes, ela se dividia.
Uma parte para outro lugar a fim de organizar uma nova aldeia, seguindo o sinal
que era fornecido pelas aves totêmicas, até chegarem às novas terras. Eles eram
organizados política e socialmente em tribos independentes que, ao longo dos
anos, foram se espalhando pela Europa. Não são considerados um povo com etnia
homogênea, as possuíam a mesma língua e religião, que servia como um elo entre
os membros das diversas tribos, dando-lhes a característica de “celta”.
Qual o papel da magia na sociedade celta ! Como a magia
surgiu e se desenvolveu na sociedade celta !
Acredito que tudo foi se desenvolvendo de uma forma
espontânea. Historicamente, foi através da observação da natureza que o homem
criou a religião, passou a crer e a confiar em deuses, em energias superiores
que pudessem protege-los em situações nas quais se sentia impotente.
O cotidiano celta era repleto de uma magia natural, que
acontecia através da forma com que observavam o mundo. Para os celtas, os
mundos físico e espiritual eram um único mundo; não havia separação entre o
natural e o sobrenatural. Eles enalteciam o universo natural, reconheciam seu
valor na sua energia. A sua mitologia e religião estavam centraliza,
representando o amor, a morte, a sexualidade e a fertilidade.
O celta percebia que todo homem pertence à grande teia da
natureza, e que a vida é uma sucessão de novas experiências e descobertas.
Alguns lugares eram considerados sagrados por possuírem uma energia especial,
da mesma forma que algumas épocas do ano (estações) eram festejadas com os
famosos sabás.
Pode-se dizer que a magia sempre esteve presente no
cotidiano celta e podia ser praticada por qualquer um, apesar da existência dos
druidas, sacerdotes organizados num clero.
Alguns autores e pesquisadores se referem à sociedade
celta como matriarcal; outros não concordam com esse ponto de vista. O que você
pensa a esse respeito !
Acredito que talvez o melhor termo a ser empregado é a de
que a sociedade celta era semipatriarcal. Você pode achar estranho o termo, mas
não é. Perceba que o povo era dividido em tribos que tinham o seu rei, o seu
druida, e que esse povo tinha suas crenças religiosas ligadas à natureza, à Mãe
Terra. Para o celta, a mulher era especial, e muito, porque era associada à Mãe
Terra.
As mulheres eram vistas como aspectos vivos da criação,
porque vivenciavam todos os meses com o ciclo menstrual, o processo da vida,
morte e renascimento, além do poder de gerar vidas. Vou dar um exemplo:
Dergflaith era um dos nomes célticos dado à menstruação, e significava
“soberania vermelha”. O vermelho representava soberania, poder, vida. Pense
então nos mantos vermelhos dos reis. A menstruação tinha conotação de sagrado,
porque acreditavam que a mulher se tornava ancorada e enraizada nesse período.
Nos períodos de menstruação, as mulheres se isolavam numa cabana ou se dirigiam
à floresta, compartilhavam sobre os problemas da tribo.
Outro ponto que pode ilustrar o poder feminino se refere
ao ritual religioso e mágico hieròs-gámos (casamento sagrado), no qual uma
mulher que tinha o poder mágico representava a Deusa e concedia aos reis e
heróis grandes poderes.
Dentro da sociedade celta, a mulher dominava a religião.
Podia ser uma guerreira e podia escolher o seu parceiro. Quando ela se casava,
trazia para o casamento seus bens, e se eles fossem superiores aos do marido,
ela se tornava chefe do casal. Há ainda uma coisa importante para se dizer com
relação a concepção de união eterna e fidelidade, nem de traição. No casamento,
previlegiava-se o amor, ao mesmo tempo em que o casamento era visto como um
contrato que poderia ser rompido, pois existia o divórcio. São concepções
interessantes para uma época tão distante porque, na verdade, a mulher celta
era tudo o que a mulher de hoje “briga” muito por ser.
Como os celtas se relacionam com os elementos da natureza
! É uma religião xamãnica!
A primeira grande lição que os celtas nos dão é a da
observação e do respeito pela natureza. Levavam sempre em consideração a Roda
do Ano (estações), os elementos da natureza, os pontos cardeais, o Sol, a Lua,
e valorizavam a energia de tudo o que os rodeava. Eles reconheciam a energia
dos elementos da natureza. A terra, o ar, o fogo, e a água são representações e
formas diferentes de energia, e a partir desses elementos todas as coisas são
formadas. É o que chamamos de energia elemental, seres do mundo espiritual cuja
tarefa é dirigir o poder divino para as formas da natureza.
As pedras, por exemplo, eram consideradas como as
energias espirituais mais antigas da Terra, e guardavam ensinamentos profundos,
que eram revelados quando eram reverenciadas. Toda a Bretanha, Irlanda e
Grã-Bretanha possuem pedras verticais espalhadas por diversas regiões, com
tamanhos diversos. Os celtas se relacionavam com os elementos e com os seres
elementais em seu cotidiano e em rituais de magia. A própria mitologia celta
nos dá provas disso quando relata histórias nas quais os heróis se perdem no
Outro Mundo, repleto de seres elementais.
A religião celta possui algumas características
xamãnicas, pois estava sempre em contato com a natureza e os seus espíritos.
Para eles, por exemplo, os animais possuem dons especiais para a cura e sempre
nos dão grandes lições de vida. Animais totêmicos representavam a tribo e serviam
como proteção. O ogham, alfabeto celta utilizado pelos druidas, é conhecido
como alfabeto da árvore, no qual cada letra representa uma árvore com energia e
características específicas. Os druidas, como os xamãs, recebiam revelações por
sua interação com o Outro Mundo, praticavam a adivinhação e faziam o uso do
tambor, da dança e do cogumelo amanita buscaria em seus rituais.
Qual a relação entre o druidismo e a religião celta em
geral com a Wicca, se é que ela existe !
Existe uma forte relação. Podemos dizer que as raízes da
Wicca estão na antiga religião celta e, por conseqüência, no druidismo. Sua
essência básica é centrada na Grande Mãe, a figura do Divino Feminino, mas a
tradição Wicca possui uma grande carga de elementos que não faziam parte da religião
celta. Esses elementos vêm da Magia Ritual, Cabala, tradições da maçonaria e
até mesmo da Golden Dawn. Existem boatos de que Crowley, famoso ocultista do
século 20, teria “encomendado” ao seu amigo Gardner a criação da Wicca para
popularizar a religião Thelêmica, e sabemos que foi através das obras de
Gardner que o paganismo foi ressuscitado.
O pentagrama, por exemplo, surge como símbolo de
paganismo moderno, e não é um símbolo de origem celta. Ele era usado na
Mesopotâmia por volta de 3.500 a.C. e, através da cultura judaica da cabala,
acabou fazendo parte dos rituais da tradição Wicca. Outro exemplo que posso
citar é o uso do athame ou punhal nos rituais wiccanos, como canalizadores de
energia, fato desconhecido na religião celta.
Para o celta, a religião e a magia eram algo muito
natural, fazia parte do seu cotidiano. A Wicca, embora tenha raízes celtas, é
muito ritualística, especialmente hoje em dia. Em muitos segmentos wiccanos,
percebe-se atualmente, como em outras religiões, um apego muito grande aos
rituais e até mesmo um certo grau de fanatismo, e isso não é saudável em
nenhuma crença. O ideal é fazer dos ensinamentos uma base para se ter uma vida
saudável e feliz.
Como esses conhecimentos antigos da espiritualidade dos
celtas se relacionam com a sociedade atual ! Em que e de que forma eles podem
nos ajudar !
Em todos os conceitos celtas encontramos grande lições
que podem nos auxiliar a viver melhor. Um de seus mais sábios conceitos é o de
que o tempo está e estará a nosso favor, no oferecendo oportunidades que,
muitas vezes, devem ser compreendidas em alguns segundos, mas que podem
transformar qualquer coisa.
A filosofia de vida celta era muito simples: observar as
grandes lições da Mãe Natureza, o que é uma grande dificuldade para o homem
moderno. Para eles, a vida era um eterno movimento cíclico de transformação
permanente: nascemos, crescemos, morremos e renascemos. Há o momento certo para
cada coisa: arar a terra, semear, colher. As estações do ano são a prova da
Natureza de que sempre, após um inverno rigoroso, há a chegada da primavera.
Eles nos mostram que é preciso aprender a perder para ganhar depois.
Cada problema ou situação difícil, cada “doença” contém
uma bênção para a cura e liberdade. Os celtas acreditavam que podemos, com
responsabilidade e respeito, acionar os planos superiores, o Outro Mundo. Para,
eles, o Outro Mundo, com sua graça de mistérios, está em nosso interior. Toda
pessoa possui dentro de si uma chama, uma fogueira tranqüila, uma alma. É
preciso perceber a sua alma, realizar uma ligação com a sua chama interior,
mostrando que é preciso estar sempre ligado à sua própria essência.
Outra coisa muito bonita e importante nos ensinamentos
celtas é o valor que eles davam à amizade, coisa rara nas sociedades modernas
em que as pessoas sempre se esquivam das outras, por medo de serem “sugadas”.
Para esse povo, uma amizade ultrapassava qualquer fronteira, qualquer plano.
Existe a expressão gaélica que retrata muito o valor que davam à amizade, anam
cara (amigo da alma), que O’Donohue retratou de uma forma encantadora em sua
obra. O conceito de amizade deu aos celtas a idéia de companherismo, solidariedade,
fidelidade, amizade profunda e especial. Além de seus conceitos sobre a vida, o
universo mágico celta pode nos auxiliar a adquirir mais equilíbrio,
tranqüilidade, vigor, prosperidade, coragem, amor em nosso dia-a-dia, através
de suas antigas práticas de magia com elementos da natureza. A natureza está
aí: é só acionar a sua energia.
O caminho da espiritualidade ou religiosidade celta pode
ser seguido, hoje em dia, individualmente, ou ele necessita um mestre, um
facilitador !
A espiritualidade e sua religiosidade podem ser seguidos
por qualquer um. Existe muita gente com “espírito celta”, e nem sabe disso. São
aquelas pessoas que respeitam a natureza, compreendem os processos e ciclos da
vida e possuem amigos.
Eu acredito que aquele que se interessar por sua
religião, rituais e práticas de magia podem faze-lo sem medo, porque estará
fazendo algo com boas intenções. O interessante é tentar fazer da magia algo
natural em sua vida, da mesma forma que os celtas a viviam. Concordo com Scott
Cunnigham, que afirmou que as práticas de magia podem ser vivenciadas de forma
solitária e individual.
Hoje, existem muitas formas de se obter informações sobre
as práticas de rituais de diversas tradições. Cada um deve saber escolher o seu
caminho. Alguns podem trilha-lo solitariamente, outros podem ter um mestre ou
um facilitador. Entretanto, acho importante dizer que mesmo que você queira ter
um mestre, é preciso procurar pelo conhecimento também em outras fontes.
Eu recebo muita correspondência de gente jovem me fazendo
sempre muitas perguntas sobre magia e rituais. Eu aconselho àqueles que tem
curiosidade e gostam do tema, que procurem ler e se informar muito antes de
participar de qualquer grupo.
Extraído da revista Sexto Sentido 44; 34-39