3 de jun. de 2013

Dialogando com Sri Prem Baba

Partilha de Matê Bannwart
Sri Prem Baba
Questão: Querido Prem Baba, você poderia, por favor, falar sobre a sexualidade? Como surge o desejo sexual na infância? Qual é o resultado da repressão sexual e qual a conexão disso com a luxúria?
Prem Baba: Primeiramente se faz necessário que compreendamos que a vida neste plano é um grande teatro, um teatro cósmico. Que pode ser também cômico, ou às vezes, uma tragédia. Também podemos ver como um jogo, um jogo divino, onde você tem a chance de experimentar a matéria. Onde você é capaz de experienciar a ideia de individualidade. O Ser supremo, ao encarnar nesse plano através de você, se torna submetido às leis desse jogo. A primeira regra do jogo é ter a visão coberta pelo véu de maya, que é o que dá a ideia de individualidade. Eu tenho dito que o Ser supremo, ao encarnar aqui, passa a sonhar um sonho de luxúria e apego. Assim o jogo começa. Muitas aventuras são vividas. O final do jogo é quando o Ser desperta desse sonho; é quando encontra a unidade dentro da multiplicidade.
Então, quando o Ser encarna em uma matriz corpórea, e tem sua visão coberta pelo véu, começa a se esquecer da divindade. Ele começa a se mover do centro real para um falso centro que começa a ser criado a partir de informações recebidas do mundo exterior; informações a respeito de quem você é. Referências lhe são dadas para formar uma identidade. Um ego começa a ser construído. Esse ego é formado a partir de informações vindas do exterior. Então, você passa a acreditar ser essa identidade que tem um nome e uma história. E você tem uma base que é o corpo. Essa é uma ideia de ‘eu’. Essa ideia, que é o ego, é o mediador entre o mundo externo e o mundo interno. Mas, no início da jornada, o ego não sabe disso. No início, o ego é somente uma referência de identidade; uma identidade individualizada. Por isso você diz ‘eu’ sou fulano de tal. Logo nos primeiros meses de vida a entidade começa a receber essas aquisições que lhe dão a ideia de que ela é uma gota de água separada do oceano.
Esse é o jogo. Conforme essa ideia de eu vai se cristalizando e, portanto, o sentimento de separação vai também se fortalecendo, começa a surgir uma angústia. Algo difuso e subjetivo; é como um sentimento de separação que é atenuado quando você é atendido pela sua mãe; quando você está no colo. Porque te relembra do estado de unidade; do estado original de divindade. Com o tempo, o pai também lhe dá esse conforto. Porém, conforme o ego vai se cristalizando, e esse sentimento de individualidade vai se fortalecendo e, portanto, a angústia de não se sentir pertencendo vai crescendo, um aspecto da consciência, que é sexualidade, é ativado.
Isso varia de entidade para entidade, mas de uma forma geral, acontece entre três e cinco anos de idade. Então, esse é um aspecto da consciência que busca fusão; que busca voltar para a unidade e se fundir com o outro que é uma representação do todo. Se durante a construção do ego o gênero foi definido como masculino ou feminino, o masculino vai buscar se fundir com o feminino e o feminino vai buscar se fundir com o masculino. Esse aspecto da consciência busca essa experiência da fusão dentro de si próprio. Mas, como ele está em um corpo, e o corpo é um individuo separado do outro, através do mecanismo de projeção ele começa a querer se fundir com o outro que está também fora.
A psicologia explica isso muito bem. Um grande ser que foi canal para trazer esse conhecimento ao mundo, Sigmund Freud, conseguiu explicar esse aspecto muito claramente. Ele realmente compreendeu essa mecânica da psique e chamou de complexo de Édipo, que é quando a criança sente esse impulso, ou atração – o filho pela mãe, a filha pelo pai. Esse é um fenômeno natural do desenvolvimento da consciência. É uma busca pela fusão; pela unidade. Porém, essa expressão da consciência sempre foi muito mal compreendida. São raros os pais que sabem lidar com isso. Porque eles não podem compreender a sua própria sexualidade. Eles também são um produto desses dez mil anos de ignorância a respeito do assunto. Então, quando percebem que são pai e mãe e começam a observar o florescimento da sexualidade da criança, eles se assustam e não sabem o que fazer. Alguns acabam se deslumbrando e cometem o abuso de deixar a sua sexualidade ser ativada e cometem o abuso sexual. Outros simplesmente põem uma cortina e fingem que não estão vendo nada, como se nada disso existisse. A grande maioria tenta eliminar esse impulso quando ele surge na criança.
Então, tendo esse aspecto da consciência ativado, a criança experimenta o prazer de muitas maneiras. Ela começa a descobrir o conforto não somente quando está no colo da mãe, mas quando está chupando o dedinho, ou quando está brincando com outras partes do corpo ou com os objetos do mundo que ela esta descobrindo. Em cada fase de desenvolvimento, ela descobre um instrumento que lhe dá prazer. Primeiro a boca, depois o ânus, e uma sequência de instrumentos que ela vai descobrindo que lhe trazem prazer, e lhe trazem a lembrança da unidade. Mas, quando o ego começa a se desenvolver e a sexualidade é mais intensamente ativada, ela começa a descobrir o seu próprio órgão sexual, que é um lugar onde tem mais células nervosas e que intensificam o sentimento de prazer, possibilitando a experiência, de vislumbre do estado de unidade. Quando ela começa a descobrir essa área é quando normalmente começa a ouvir: “Não! Isso é errado; isso é feio; isso é sujo; isso é pecado...”
Essa expressão da consciência que está buscando a fusão começa a se desdobrar de diversas maneiras. Ela se desdobra na forma da alegria, da brincadeira, da celebração... Eu poderia resumir toda essa expressão em uma palavra que é espontaneidade, pois ela é o veículo que possibilita a lembrança da unidade. Mas, os pais nem sempre sabem lidar com essa espontaneidade, ou essa sexualidade (pois, são desdobramentos da mesma coisa, o impulso vital que habita o corpo), e isso incomoda os pais que já estão com suas mentes condicionadas.
A criança para continuar o jogo de uma forma saudável, precisa de certos elementos. Um deles é amor, entendendo que amor para a criança é toque, contato, porque ela não tem ainda a razão desenvolvida para entender que os pais estão trabalhando para sustentá-la. Amor para a criança é contato com a pele; é presença. Ela precisa também de alimento, porque ela não pode simplesmente ir até a geladeira e pegar o que precisa. Ela precisa ser alimentada na hora que sente fome. Ela precisa se sentir protegida, porque essa experiência de individualização acorda o medo; isso é automático. E, por fim, ela precisa de liberdade para se expressar. E é difícil lidar com isso.
Apesar de nós entendermos que ser pai ou mãe é algo instintivo, mas como a mente está condicionada, é difícil deixar a condição natural se manifestar. A verdade é que os pais não sabem lidar com isso. Vamos supor que a criança no seu movimento espontâneo, esteja brincando, pulando na sala... E os pais estão num momento difícil, identificados com o eu inferior, e não querem que a criança manifeste essa espontaneidade. Por exemplo, o pai está lendo o jornal e quer silêncio. Então ele diz: “Criança, cale a boca, fique quieto! As vezes para aliviar o peso, ele diz: Um menino bonitinho não faz desse jeito.” Isso se repete muitas vezes. A criança precisa de amor, alimento, proteção e liberdade. Com esta situação ela sente a sua vida ameaçada. Se ela não cede para esta chantagem, ela sente que vai deixar de receber o que precisa para continuar vivendo. Assim, ela começa a ceder a esse tipo de chantagem. Ela começa a se adequar dentro do que está sendo exigido dela, ou seja, ela começa a usar uma máscara. Não é ela, mas ela entende que, para continuar recebendo o que precisa, ela precisa usar essa máscara. Lá fora com os amiguinhos, às vezes ela pode ser ela mesma, mas quando chega em casa, ela precisa usar essa máscara para receber o que precisa. Assim começa a haver uma divisão dentro dela. Em dado momento, uma situação específica acaba concretizando, ou completando essa cisão e com isso ela esquece quem ela é, e passa a acreditar que é aquela máscara. Então, aquela angústia que começou a surgir lá atrás devido ao sentimento de separação, é instalada no sistema. É isso que eu chamo de dor. Essa é uma dor tão profunda, uma dor emocional, que se manifesta também fisicamente. A dor gerada pelo rompimento com a essência. Ela é o resultado de duas forças opostas dentro de você - uma força te puxa para um lado, outra para outro. Ocorre um esquartejamento. Você é realmente cortado ao meio.
Essa dor abre um buraco dentro de você, o qual você tentará preencher de diversas maneiras. Começam a surgir necessidades simbólicas. Você começa a comer para preenchê-lo. Você começa a querer ser importante... As necessidades podem ser infinitas; daí surgem os vícios. Porém, o principal elemento que você usa para aliviar continua sendo a sexualidade, porque você tem uma memória de que a sexualidade proporciona a experiência da fusão, da unidade. Mas, a sexualidade foi contaminada pelo medo e pelo ódio e se transformou em luxúria. A luxúria é uma filha da repressão sexual. E da luxúria nasce todo o tipo de perversidade; todo o tipo de pornografia... E com isso você fica impedido de completar o jogo, porque você fica preso dentro de um quadrante dele.
O jogo somente se completa quando a luxúria pode ser integrada. Isso significa que o impulso sexual se liberta do medo e do ódio, e pode atingir o coração, e se fundir com o amor. É somente quando a sexualidade se funde com o coração é que você pode abrir o portal da lembrança de quem é você. É quando o feminino e o masculino se unem dentro de você que você começa a lembrar quem é você. Você começa a lembrar que você é o oceano e não a gota. Nesse momento, o ego começa a cumprir o seu papel de ser o mediador entre o mundo interno e o mundo externo, e se liberta da tirania do eu inferior, e do eu idealizado, que é somente uma forma de se proteger daquela dor criada pela cisão.
Com isso eu respondi outra pergunta: Querido Mestre, o que é a dor que você tanto fala? Você disse que as matrizes do eu inferior estão a serviço de proteger da dor. Disse também que essa dor leva ao núcleo de memórias emocionais da alma. No nível pessoal, entrei em contato com o trauma que ativou essa dor nessa vida. Intelectualmente, vejo que esse trauma foi necessário. Vejo que foi essa a função dele. Qual a origem dessa dor? Nascemos para liberá-la? Ela é real ou é maya?
Prem Baba: Ela é maya. Mas, você entender isso intelectualmente não te liberta dela. O que te liberta é a compreensão mais profunda; a compreensão no nível da alma. A dor original é a dor do esquecimento de si mesmo. Acontece quando você perde a sua espontaneidade. Essa é a dor original, que vai sendo reeditada em cada encarnação, de acordo com o jogo do karma. Essa dor vai sendo ativada dia após dia através de situações sucessivas, ou às vezes, através de situações traumáticas que é quando a criança é forçosamente levada a usar a máscara e é cindida da essência. É quando ela perde a confiança na vida. Essa perda da inocência tem haver com a perda da confiança na vida. Assim, você se torna refém do medo. Então, o ódio é ativado para você se proteger. É assim que nasce a maldade. A primeira manifestação da maldade é o anestesiamento. Você não sente. Para não sentir a dor, você anestesia. A energia vital é usada para anestesiar.
Mas, tudo isso é maya. E como você transcende maya? Se eu falar para você parar de brincar com o brinquedo, você acha que vai perder o desejo de brincar com ele? Não vai. Você vai deixar de brincar com o brinquedo quando se cansar dele; quando já tiver brincado o suficiente. Por mais que esse brinquedo te machuque. Isso é muito profundo.
Questão: Querido Prem Baba, após o meu divórcio eu estava aberta para outro relacionamento, caso surgisse. Mas, noutro dia você falou que desejar o amor exclusivo é a razão para toda a miséria humana. Eu não quero desejar amor exclusivo, então isso significa que não devo me abrir para outro relacionamento? Ou é possível se relacionar sem desejar o amor exclusivo?
Prem Baba: Se isso não fosse possível eu não estaria aqui. Porque nada disso faria sentido. Então, eu usaria o meu tempo de outra maneira. Eu estou usando esse tempo com vocês porque realmente tenho fé nessa possibilidade. Porém, eu estou bem consciente de que esse não é um desafio tão simples. Esse é o fim do jogo. É quando o parivartan se completa dentro de você. É quando você pode amar desinteressadamente, ou seja, amar sem querer nada em troca. Você ama porque quer ver o outro feliz; você ama porque é o amor.
Mas, você se negar a se relacionar para evitar essa necessidade de amor exclusivo é uma fuga da experiência. Como eu disse há pouco, o fato de falar para você parar de brincar com o brinquedo não vai fazer você perder o desejo por ele. Você pára quando já brincou o suficiente. Isso é um processo natural de amadurecimento.
O amor é a fragrância do Ser; é um fruto da árvore da consciência. Isso somente chega com a maturidade. E você só amadurece estando dentro do processo. Não adianta escapar se você continua carregando dentro de você. Em determinados momentos o melhor remédio é ficar quieto consigo mesmo para fortalecer algumas virtudes da alma. Mas, se você ainda não pode iluminar o amor, talvez ainda tenha que passar pela experiência do relacionamento. Você não deve se fechar para nada. A transcendência é um fenômeno que vem com a maturidade. Caso contrário você vai estar apenas alimentando a repressão, ou seja, você entrará novamente no ciclo vicioso. Se você tiver que cair nas armadilhas da criança ferida – paciência.
Quando você vem para a Índia, eu sugiro que você faça a experiência de ficar sozinho, mesmo se estiver casado ou namorando. Você pode até estar junto com alguém, mas, dentro, você deve estar focando somente no seusadhana. Isso é para te ajudar a ir além dos jogos da criança ferida que quer amor exclusivo; para ir além das dependências e codependências; de todos os jogos da possessividade e do ciúme. Porque o relacionamento é um estudo necessário, mas tão vicioso, que você precisa dar uma pausa conscientemente para não perder o observador. De tempos em tempos é bom você tirar umas férias da relação. Isso é saudável. Tirar férias não significa se envolver com outra pessoa, pois isso seria outra fuga. Isso faz parte da imaturidade; ainda é o medo de se revelar para outro; é uma fuga de si mesmo.
Assim como nós falávamos há alguns dias atrás, sobre estar com diversos professores ou mestres. Isso é a mesma coisa. Durante uma fase da vida está ok você ter duas ou três namoradas, mas chega uma hora em que, se você realmente quer se aprofundar é preciso ter uma só pessoa. Você não consegue se aprofundar com duas ou três. Isso não existe. Mesmo que isso seja desafiador. Quando fica difícil você pula a cerca para a casa do vizinho pensando que a grama do vizinho é mais verde do que a sua. Mas, isso faz parte da experiência. Você vai e experimenta para descobrir se a grama é mais verde ou não. Mas, chega uma hora em que você compreende que, se quer ir mais fundo, é preciso focar em uma pessoa.
Esse processo de desidentificação de maya é um processo orgânico de evolução. Tudo que podemos fazer para desacelerar o processo, nós estamos fazendo. A única coisa que você pode fazer a mais, caso não esteja fazendo ainda, é focar mesmo em uma única direção. Não se distraia com nada.
Para te ajudar a compreender o que estou dizendo, eu quero lhe propor que durante esses dez dias que teremos aqui em Rishikesh, você faça uma prática especial de austeridade que é não se distrair com nada. Se comprometa com o programa que estou oferecendo e nos intervalos fique no seu quarto, ou em contato com a natureza. Nesse espaço (no seu quarto ou na natureza), faça seu gurumantra ou fique em silêncio – só isso. Aprenda a ficar consigo mesmo. Acredite: aquilo que não está aqui, não está em lugar algum. Essa é uma célebre frase dokuranava tantra. Ou então: conheça-te a si mesmo e conhecerás o universo. O homem é o microcosmo. Tudo o que você busca está dentro de você. Você chegou até mim e o meu trabalho é ajudá-lo a me encontrar dentro de você. O meu trabalho é fazer você encontrar tudo o que busca dentro de você. Eu sei que você vai tentar fugir porque há passagens difíceis, nas quais você inevitavelmente terá que entrar em contato com essa dor. Mas, isso são apenas passagens. Com essa firmeza de propósito você vai adquirindo confiança. Talvez antes disso você tenha que experimentar medo ou ceticismo; talvez dúvida. Tudo isso faz parte do processo de amadurecimento. É preciso ter firmeza.
Essa manhã, durante a nossa meditação, eu recebi uma informação. Como vocês estão aprendendo a me conhecer, estão vendo que sou completamente intuitivo. Eu li muito pouco na vida. O que sei é Deus que me ensina. Não sei quase nada de astrologia, mas eu ouvi que 2013 é um ano regido por Saturno. Eu sei que Saturno é um aspecto do grande professor que exige comprometimento, ou seja, alinhamento entre pensamento, palavra e ação. Esse comprometimento será exigido principalmente na sexualidade e na espiritualidade. Essa mensagem foi para você. Eu sou só o carteiro. Estou entregando a carta. Por isso, para te ajudar a estabelecer esse compromisso, esse alinhamento, é que estou sugerindo esses dez dias de prática. Porque eu sei que Saturno não brinca em serviço. Ele é um professor exigente. Depois eu quero que os astrólogos me confirmem isso, pois estou falando algo que senti. Se não alinha, é sofrimento. Essa é a minha experiência com Saturno.
Abençoado seja cada um de vocês. Que a espontaneidade possa ser resgatada. Até o nosso próximo encontro.
NAMASTE


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